A música desta postagem é atendendo a pedido de nosso irmão Marcos, ao qual peço desculpas pela demora em atendê-lo, mas foi necessário escrever uma postagem introdutória para não ficarmos tratando a relação do cristão com a música de forma fragmentada (se você ainda não leu é aconselhável fazê-lo antes de ler esta, clicando aqui), além das dificuldades cotidianas. Esta é a primeira música “evangélica” que tratamos em nossa série de postagens e esperamos que sejamos compreendidos sem precisar abordar determinadas doutrinas antes, mas, se acharem necessário uma abordagem de alguma doutrina que eventualmente seja mencionada, deixem nos comentários que procuraremos a melhor forma de atendê-los no menor tempo possível. Vamos a letra:
1. Hoje quando penso em desistir,
2. Trago a memória a forte cena ali na cruz.
3. O Teu sangue me justificando,
4. Minha alma registrando sua marca, oh! Meus Jesus.
5. Embora o alto preço a minha salvação pagou,
6. Sem santidade não verei seu rosto, oh! Meu Senhor.
7. Isso também custa muito caro,
8. Vale mais do que meu próprio esforço.
9. Eu Tenho que morrer para as minhas vontades,
10. Pra poder viver no centro da verdade.
11. Te obedecer renunciando o mundo,
12. Com a minha cruz, dizendo não pra mim
13. E sim pra Ti, minha luz! Isto tem um preço,
14. Vou pagando o preço pra te ver, Jesus.
15. Vale a pena me santificar,
16. Buscando o Teu reino em primeiro lugar,
17. Guardando sobre tudo o meu coração,
18. Cada porção de mim está em suas mãos,
19. Vale a pena me santificar.
20. Pregar Tua palavra e não religião,
21. Multiplicar o amor,
22. Porque o inferno tem a matemática da divisão
23. E o Senhor, tem da multiplicação.
24. Eu tô pagando, eu tô pagando,
25. O preço pra morar no céu eu tô pagando.
26. Eu vou lutando, eu vou chorando,
27. Cada detalhe o Senhor está somando.
28. Eu tô pagando, eu tô pagando,
29. O preço pra morar no céu eu tô pagando.
30. Eu vou lutando, eu vou chorando,
31. A santidade tem um preço, eu tô pagando.
32. Tô pagando, tô pagando
33. Um alto preço.
34. Um alto preço.
Compositor: Anderson Freire
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As músicas “evangélicas” dificilmente trataremos como as músicas seculares, abordando linha a linha. Serão abordadas de uma forma mais geral, buscando no conjunto as doutrinas ou pontos errados. E as linhas específicas apenas as que tragam alguma ideia fechada nelas. Acreditamos que desta forma ficará mais fácil de expormos, o que deve facilitar o entendimento.
Antes de começarmos tenho que explicar mesmo que rapidamente que entendo as Escrituras com uma separação de perspectivas: hora divina, hora humana. Quanto a soteriologia, sou monergista, e nos textos usados para defesa pelos sinergistas não os tenho como antagônicos, mas apenas como uma mudança de perspectiva, assim, harmônicos. Então vejo sempre a perspectiva divina como que trazendo a causa e a perspectiva humana, a consequência. Logo considero irrelevante a discussão entre calvinistas e arminianos, mas admito que tal divergência tenha uma utilidade prática. Assim aconselho a conhecerem as duas. Estudem bastante!
Até fiquei um pouco surpreso quando vi que o compositor desta música é o Anderson Freire, porque gosto de várias de suas músicas e até já defendi (não aqui) uma de suas composições, mas nesta, realmente podemos apontar alguns erros. Então vamos ver quais:
A. Quero começar logo pelo ponto mais polêmico: esta música é sinergista. Se precisasse apontar um lugar específico que me levou a esta conclusão diria que está no termo “embora” na linha “5.” e “sem” na “6.”. Como já mencionei acima, sou monergista, portanto a música ter caráter sinergista, para mim é um erro. Todo o restante do que vamos escrever aqui ao falarmos da composição deve ser entendido a partir desta observação: “embora Cristo tenha pago o preço, sem esforço próprio não serei salvo”. Isto pode parecer coerente, mas na verdade não é. Se pegarmos, por exemplo, alguém que recebe a Cristo logo antes de sua morte, qual esforço ele fez? Ademais se pegar pontos isolados da música pode-se entendê-los como certos, então entendam que na música há música toda é um texto que visa transmitir uma mensagem e não várias. Se você é sinergista pode ser que não veja nenhum problema nela, mas peço que acompanhe o restante do texto, você concordará conosco em alguns pontos;
B. A linha “6.” é claramente uma referência ao texto de Hb. 12:14: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor,”. O erro no entendimento deste texto é causado pelo pensamento sinergista que distorce a causa e a consequência. Enquanto os monergistas colocam a causa em Deus e a consequência no homem, os sinergistas o invertem na maior parte do tempo. Veja que esta música usa o seguinte raciocínio baseado neste texto: “sem santificação não verei a Deus, logo não serei salvo, portanto cabe a mim pagar o preço da salvação me santificando”. Caso você ache que há uma inversão da conclusão vamos alterá-la: “sem santificação não verei a Deus, logo não serei salvo, portanto cabe a mim pagar o preço da santificação para que assim eu seja salvo”. Perceba que não importa como você conclua, no final você está pagando o preço da salvação, e não Cristo. Isto é tão lógico que a própria música conclui isto nas linhas “25.” ou “29.”. O cap. 12 de Hb. está mostrando que é Deus quem nos conduz na santificação, nos corrigindo, disciplinando e até reprovando algumas vezes. Conclusão: a santificação é a consequência da salvação e não a causa;
C. O exposto no ponto “B.” nos leva ainda a uma contradição na composição também causada pelo pensamento sinergista. Esta contradição está apontada olhando para a linha “3.”+”5.” e “25.” ou “29.”. Para o sinergista Deus dá o presente, mas cabe ao homem aceitá-lo ou não. Então surge o problema: se Jesus pagou o preço da nossa salvação, mas temos que pagar algum preço para alcançarmos esta salvação, então o preço que Jesus pagou não foi suficiente. Ficando apenas com a carta aos Hebreus cujo texto é o cerne desta música lemos em 10:14: “Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados”. Já falamos diversas vezes que pegar textos isolados para fazer doutrina é perigoso. Se você está lendo apenas o vv. do capítulo 12 terá um entendimento errado do que o autor se refere, pois ele mesmo já havia esclarecido antes quem é a causa da santificação;
D. Resta então, para fecharmos o ponto da santificação, mostrarmos quem o autor de Hebreus diz ser a causa da santificação e isto está logo no início da epístola, lá em Hb. 2:10-11: “Porque convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem, conduzindo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse, por meio de sofrimentos, o Autor da salvação deles. Pois, tanto o que santifica como os que são santificados, todos vêm de um só. Por isso, é que ele não se envergonha de lhes chamar irmãos,” (grifos nosso). A conclusão do autor da carta aos Hebreu é que Cristo, por meio de sua morte, se tornou aquele que santifica e, portanto, aquele que salva;
E. Outro erro da música é a noção de “alto preço”. Geralmente tratamos as coisas que envolvem preço como “caras” ou “baratas”, como na linha “7.”. Algo está com um “alto preço” ou “caro” quando o seu preço é maior do que analisamos que esse algo vale, do contrário está com “baixo preço” ou “barato”. Aqui então temos que esta música acerta ao dizer que Jesus pagou um alto preço por nossa salvação, isto é, o preço que foi pago é muito maior do que nós valemos, e erra ao dizer que o preço que estamos pagando para sermos salvos é alto, quando o que pagamos é pouco em relação ao que vale. Na verdade, não pagamos nada pela salvação; pois não precisamos pagar nada por ela, ou seja, a salvação é de graça, isto é, somos justificados gratuitamente conforme escrito em Rm. 3:24, que diz: “sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus,” (grifo nosso e outros textos que trazem este entendimento: Sl. 6:4; At. 15:11; Ef. 2:5; 2:8; Tt. 2:11; Ap. 21:6; 22:17). Se é gratuito não preciso pagar preço algum;
F. Como mencionamos antes, os sinergistas quando vão exemplificar seu pensamento, de forma simples, eles dizem que a salvação é como um presente que Deus dá e cabe ao homem aceitar ou não. Sé é um presente você não paga nada por ele, senão não seria um presente. A salvação também não é como se o presente fosse um veículo, que você não paga por ele, mas tem que pagar pelo combustível e manutenção; afinal todas as coisas nos são dadas por Deus. Se você ganha salário com seu trabalho, só o faz porque Deus lhe dá saúde para tal. Conforme Jesus disse: “Se, portanto, nada podeis fazer quanto às coisas mínimas, por que andais ansiosos pelas outras?” (Lc. 12:26) e “Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (Jo. 15:5);
G. Jesus disse que “O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.” (Mt. 13:44), que é diferente do que está escrito na linha “26.” ou “30.” desta música e, se com felicidade você vende tudo que tem para comprar algo mais valioso, então este algo não é caro. E, não! O que acabamos de dizer não valida o que está sendo dito na música ou mesmo o pensamento sinergista. Lembre-se do que escrevi ao início: harmonia, não antagonismo;
H. São Paulo também falou sobre isso em sua carta aos Filipenses: “Pensava que essas coisas eram valiosas, mas agora as considero insignificantes por causa de Cristo.” (Fp 3:7 [NVT]) ”Sim, todas as outras coisas perdem o valor quando comparadas com o ganho inestimável de conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. Eu pus de lado tudo o mais, achando que valia menos do que nada, a fim de que possa ter a Cristo,” (Fp 3:8 [VIVA(Br)]). Paulo certamente não diria que estava pagando um “alto preço” por causa da santificação, ideia reforçada em algumas versões que traduziram “menos que nada” para “refugo”, “lixo” ou mesmo “esterco”;
I. Quanto a linha “20.” já tratamos do assunto em outras postagens, algumas mais especificamente (como a de 12 de fevereiro de 2015) e outras mais superficialmente (como as de 24 de março de 2018 e 12 de janeiro de 2019). Deem uma lida, por favor;
J. Das linhas “20.” a “23.” há pensamentos estranhos. Vamos tomar o uso do termo “matemática” da linha “22.” como uma opção melódica onde provavelmente seria usado o termo “operação”, o que afetaria a sílaba poética. Há apenas um texto na bíblia que usa a expressão da linha “21.” que se encontra em Judas 1:2 e este é uma saudação, logo não é uma doutrina. Não faço ideia de onde ele tirou a ideia da linha “22.” de que o inferno divide e da linha “23.” de que o Senhor multiplica o amor. Como Deus é amor (I Jo. 4:8) não é possível que Ele multiplique a si mesmo e o inferno não pode dividi-Lo. Se formos falar do amor entre humanos temos um texto interessante escrito em Mt. 10:34-37, onde Jesus diz que não veio trazer paz, mas espada, que os da sua própria casa serão seus inimigos, que quem ama mais qualquer outra coisa que a Ele não é digno d’Ele e em Mt. 24:12 diz que o que vai se multiplicar é a iniquidade, enquanto “o amor se esfriará”;
Para concluir, precisamos ainda dizer que o principal problema das músicas “evangélicas” que contém erros é que esses facilmente são assimilados e espalhados como verdades bíblicas. Por estarem muitas vezes sendo cantadas dentro dos templos a comunidade entende seu conteúdo como verdade. Portanto deve haver um certo cuidado dos dirigentes das congregações em filtrar quais músicas estão sendo cantadas em seus cultos. Infelizmente o que temos visto é justamente o contrário. Além de não filtrarem é absurdamente comum ouvir pregações em que o orador se utiliza de ideias retiradas de músicas que extrapolam o texto bíblico e que em sua maioria são menções equivocadas provindas de uma falsa visão do fato ou mesmo uma falsa doutrina. Esperamos que este texto possa ajudar a melhorar a qualidade com que louvamos a Deus em nossas vidas e cultos.
Vamos ficando por aqui, até a próxima e tenham muito CUIDADO COM O QUE OUVEM!
P.S.: Se tiverem alguma música que queiram entende-la melhor, deixe seu título e intérprete nos comentários. Podem ser músicas seculares ou “gospel”. Faremos o possível para atendê-los.
“sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo,” (I Pe. 1:18-19)
DEUS OS ABENÇOE GRANDEMENTE!
Ozires de Beserra da Silva
Técnico em Informática, Graduado em Matemática e Servo do Deus Altíssimo.
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Abreviaturas:
- NVT = Nova Versão Transformadora;
- VIVA(Br) = Bíblia Viva em Português do Brasil;