» Out of Series (20 de novembro de 2022)
Desde há algum tempo é frequente vermos “pregadores” criticando a religiosidade. Aqui buscaremos entender uma possível origem baseado em minha experiência pessoal e observação histórica, a hermenêutica e exegese de alguns dos textos utilizados para defender essa postura e os problemas que ela traz.
Quando essa ideia surgiu e por que ainda
é utilizada?
Quero deixar claro que aqui estarei abordando o assunto sobre meu
próprio ponto de vista histórico-social. Isto posto, quero lhe perguntar, e
gostaria que respondessem nos comentários, quando você começou a ouvir que não
se deve ser religioso ou que Jesus criticava os religiosos da sua época?
Bem, em minha infância, os evangelistas se deparavam sempre com o
problema do tamanho do catolicismo e todo mundo via os “evangélicos” como mais
uma religião. Apesar de que a pregação do evangelho sempre alcançava (e
continuará salvando) vidas e sempre procuramos uma forma de evitar a rejeição.
Diante da resposta contraria constante dos católicos apostólicos romanos de que
“já temos uma religião” buscaram então desvincular a imagem do “evangélico” da
imagem de “religioso” principalmente com frases de efeito como: “não estamos
lhe oferecendo uma nova religião, estamos lhe apresentando o genuíno
evangelho”; “não é mais uma religião, é a comunhão com Deus”; ou frases
semelhantes. O objetivo, claro, era desarmar o ouvinte.
Mesmo hoje, após a disseminação do evangelicalismo, muitos pregadores continuam utilizando esta mesma prática dizendo aos membros de suas congregações que é ruim ser religioso. O motivo, a meu ver, é manter a postura anterior, já enraizada, então “pintando” a religiosidade com ares de quem ostenta em si os piores adjetivos todos reunidos em um só indivíduo ou atribuir àqueles um “status inferior”.
• Religiosidade não é o problema;
• Argumentação - a base da filosofia;
• Os Dez Mandamentos, na interpretação de Jesus - O 1º mandamento;
• Afinal, o que se tem que fazer para ter a vida eterna?;
O que é religião?
A origem deste termo não tem um consenso, havendo 3 vertentes mais
aceitas e todas vindas do latim, conforme o Dicionário Etimológico, que são:
a. “religio”, que significa “louvor e reverência aos
deuses”;
b. “religare”, que teria o sentido de “ligar novamente” o
homem a Deus, que seria a recuperação do contato perdido quando do pecado no
Éden;
c. “relegere”, que significa “reler” e teria sido associado
ao ato da constante releitura e interpretação dos textos sagrados;
Atualmente o conceito geral de religião é entendido apenas quando
há aceitação de uma ou mais divindades. A meu ver este uso é errôneo. A
essência da religião é a fé, assim qualquer sistema minimamente organizado do
qual haja ao menos uma ideia da qual ela seja necessária se encaixa. Alguns tem
fé em Deus, outros em algum deus, uns em alguns deuses, em uma doutrina
filosófica ou política, no estado, ou no dinheiro, ou na ciência, nos outros ou
em si mesmo. Qual a diferença entre todas estas senão o objeto no qual
depositam sua fé?
É notório e sabido que o homem tem inato uma ausência do
transcendente, isto é, o homem é um ser religioso e mesmo aqueles que negam
este caráter de si mesmos se entregam a algum sistema de fé, com a diferença de
que raramente confessam sua religiosidade ou pior, sequer percebem a que deus
estão servindo.
Nietzsche, que em algum momento disse que “Deus está morto”, tinha
como deus o “Übermensch” (o superman), isto é, uma versão superior do
homem, ou seja, de si mesmo, um ser que livre das amarras da moral religiosa se
tornaria imoral. Isto mesmo. Não um amoral, mas um imoral. Como diz ORTEGA Y
GASSET:
“Não
é que o homem-massa menospreze uma (moral) antiquada em benefício de outra
emergente, mas que o centro de seu regime vital consiste precisamente na
aspiração a viver sem sujeitar-se a moral alguma. Não acrediteis uma palavra
quando ouvirdes os jovens falar da ‘nova moral’. ... O imoralismo chegou a ser
tão barato que qualquer um alardeia exercitá-lo.”
Não é muito diferente da promessa da serpente feita no Jardim: sereis, como Deus, conhecedores do bem e do mal [Gn. 3:5], em outras palavras, a saída dele para a religião era uma religião oposta. A troca da moral divina por uma imoralidade maligna.
E os textos bíblicos?
Pedi, então, no grupo da igreja, que os irmãos me enviassem ao
menos dois textos nos quais a Bíblia condene a religiosidade. Agradeço aos
irmãos que prontamente me atenderam.
Vamos então fazer uma análise destes textos. Pedimos que o amado
leitor acompanhe o texto em suas Bíblias. Caso o não possua uma cópia vou
deixar os links para que os leia na internet.
• Isaías 29:13 (https://www.bibliaonline.com.br/ara/is/29/13+?q=isaias+29%3A13)
Podemos comparar com a citação que Jesus faz deste texto em Mateus 15:7-9. Nestes textos a crítica é à superficialidade (àqueles que são apenas aparência. Estes, hoje em dia são chamados de “nominais”. Tem apenas o nome. Somente a casca. Não existem convicções, apenas repetem o que os outros fazem ou dizem) e a idolatria. O problema aqui não é porque eles eram religiosos, mas porque o seu objeto sagrado era outro. Faziam tudo usando o nome de Deus, mas o seu culto era direcionado a outro deus, criado e tecido por preceitos meramente humanos. Como disse Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar o outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro” [Mt. 6:24a].
• Mateus 23:1-36 (https://www.bibliaonline.com.br/ara/mt/23)
Será mesmo que neste texto Jesus está criticando a religiosidade?
Ao ler o texto vemos que Jesus realmente cita dois grupos “religiosos”
no vv. 2: os escribas e os fariseus. Mas, será que todos sabem o que são esses
grupos?
Os escribas era um grupo de pessoas que faziam registros
históricos, públicos e que copiavam documentos, entre eles, as Escrituras
Sagradas, que na época era algo como o que conhecemos hoje como o Velho
Testamento, especialmente os cinco primeiros livros, chamados de Torah, ou os
Livros da Lei. Devido a quantidade de vezes que alguns desses grupos copiavam o
texto Sagrado, desde tempos antigos eram considerados entendidos da Lei (um
doutor da Lei ou Rabi, como eram comumente chamados). Em outros lugares, e como
conhecemos hoje, foram chamados de copistas. Os Escribas, como devem ter
percebido, eram pessoas letradas e estudadas, e por isso, tinham muita
influência na sociedade. Na época dos reis eles eram também encarregados da
leitura desses textos nos locais de culto e também foram encarregados da
organização das Sagradas Escrituras quando da composição dos livros históricos
e proféticos. Como podem ver, “Escriba” não era uma religião, mas uma
profissão.
Os fariseus, por outro lado, eram um grupo (acho que o termo
melhor seria facção, mas temo que alguns só o entendam como algo ruim, já que
hodiernamente só se o utiliza quando se fala de bandidos) de judeus que
interpretavam a lei e as tradições de forma extrema (ou seria melhor dizer
rigorosa?) e não aceitavam a influência das outras nações em sua cultura. Como
o grupo tinha muito apoio popular, agia politicamente junto aos governadores
romanos para remediar eventuais distúrbios e intromissões. Também ocupavam
muitas cadeiras no Sinédrio (algo como uma corte política e jurídica). Em
termos de crenças eram “opositores” do outro grande grupo da época, mas que não
falaremos deles aqui. Como podem perceber, os Fariseus estavam mais para uma
espécie de partido (lembrando que o governo era romano, mas que permitia que os
judeus se organizassem politicamente).
Diante disso, o que realmente Jesus estava criticando não era a
religiosidade. Então o que foi?
Vou apenas elencar abaixo os versículos e o que Jesus criticava em
sua fala, certo que o leitor é perfeitamente capaz de entender que Sua crítica
não está ligada a religião (até porque independentemente de particularidades
todos os dois grupos citados por Ele praticavam o judaísmo como religião):
vv. 2: crítica aos usurpadores (podemos estender essa crítica aos
que atualmente se autodenominam “apóstolos”);
vv. 3: crítica aos falsos;
vv. 4: crítica aos hipócritas;
vv. 5: crítica aos vaidosos;
vv. 6: crítica aos presunçosos;
vv. 7: crítica aos pedantes;
vv. 8: crítica aos arrogantes;
vv. 9: crítica aos autoritários;
vv. 10: crítica aos demagogos;
vv. 11: crítica aos orgulhosos;
vv. 13: crítica aos enfatuados;
vv. 14: crítica aos aproveitadores;
vv. 15: crítica aos falsos mestres;
vv. 16: crítica aos incoerentes;
vv. 17: crítica aos insensatos;
vv. 18 a 22: crítica aos injuriadores;
vv. 23: crítica aos injustos, aos cruéis e aos infiéis;
vv. 24: crítica aos frívolos;
vv. 25 a 27: crítica aos superficiais;
vv. 28: crítica aos iníquos;
vv. 29 a 32: crítica aos desonestos;
vv. 33: crítica aos ardilosos;
Dos versos 34 a 36 Jesus faz uma profecia sobre a perseguição e
morte dos cristãos que haveria de vir. O detalhe importante aqui são que: 1.
apesar de iniciar sua fala criticando os Escribas, Ele diz que enviaria
Escribas e que estes seriam mortos. Não faz nenhum sentido criticar algo e o
usar ao mesmo tempo, logo, Jesus não estava criticando a religião ou a
profissão destes e; 2. Profetas geralmente são religiosos, novamente não faria
sentido Jesus criticar os religiosos e usar a religião.
Assim, podemos concluir, que neste texto não há nenhuma crítica a religiosidade.
• Lucas 11:39-44 (https://www.bibliaonline.com.br/ara/busca?q=lucas+11%3A39-44)
Como esse texto é menor que o anterior tentarei uma abordagem mais
dinâmica e prática.
vv. 39 – critica o cuidado das coisas materiais em detrimento das
coisas espirituais. Jesus disse em Mateus 15:11 que o que contamina o homem é o
que sai da boca e não o que entra por ela. Ainda critica aqueles que agem com o
intuito de causar dano ao próximo e, pra piorar, por pura maldade;
vv. 40 – critica também aqueles que deixam de cuidar de seu corpo
usando como pretexto o cuidado do espírito. Deus não quer “só seu coração”, ele
lhe quer por inteiro;
vv. 41 – critica aqueles que arrogam para si uma santidade ímpar,
mas na prática não faz bem a ninguém. Como gosto de dizer, tem gente que diz
ser boa pessoa e não dá nem um copo d’água para um pobre coitado;
vv. 42 – critica àqueles que usam suas ofertas a igreja como
desculpa para não ajudar ninguém (o mesmo vale para o estado). Devemos dar a
Deus o que lhe pertence, mas sem nos omitir de ajudar aqueles que estão
próximos a nós, precisando de auxílio. Como está escrito em I João 2:9 como
podemos dizer que andamos na luz se odiamos nosso irmão?
vv. 43 – crítica aos esnobes.
O problema de manter esse absurdo
Hoje (17/10/2022) estava vendo uma live no youtube
quando um espectador afirmou que “Jesus não veio falar de religião”, então vi,
abismado, o rapaz que estava fazendo a transmissão passar quase meia hora para
convencer o espectador que o que ele estava dizendo não tinha a ver com
religião. Quanto mais ele tentava explicar, pior ficava.
Vou fazer uma afirmação que poderá chocar a muitos: Se Jesus não
veio falar de religião então sua vinda foi inútil. Não só falar, mas fazer com
que ela ocorresse. Ou você acha que falar de pecado, arrependimento, perdão,
moral, santificação, culto e salvação não nada tem a ver com religião?
E vou dizer mais, e espero que não se espante: todas as crenças
que existem, no fundo, são religião. Vejamos:
Para você, o aborto tem algo a ver com religião?
Tem sim. Um bom texto sobre o assunto pode ser lido aqui que liga o aborto ao culto a Baal (hebraico) e Moloque (ou Moloch
- cananeu).
Para você, o veganismo tem algo a ver com religião?
E não querer ter filhos, será tem algo a ver?
E este “cuidado excessivo” com a natureza, será que também é
religião?
E a ideia de que o homem é o principal motivo do planeta está
sendo destruído, será que também é?
As respostas a todas estas perguntas é: sim.
Todos estes pontos também fazem parte de doutrinas religiosas.
Poderia citar mais exemplos, mas acho que estes são suficientes
para provar meu ponto de vista.
O principal problema de dizer que o evangelho não é religião é que
estamos aceitando levar tudo isso para o campo da não religião e assim o
evangelho é quem fica mais desacreditado já que há todo um sistema secular e
maligno dando ares de “ciência” a todas as outras enquanto relega o evangelho
ao campo da loucura (se bem que o evangelho é realmente loucura para eles, mas,
para nós, que somos salvos, é o poder de Deus [I Co. 1:18]).
Não é por menos que os descrentes acreditem que os crentes são
idiotas.
Por outro lado, e que também é um sério problema, são as distorção
e malabarismos mentais e linguísticos que precisam ser feitos todas as vezes
que vai se abordar algo que envolva a fé, mas precisamente que envolva as
Escrituras, tentando tratá-la em um campo a que ela não pertence e que nem
sequer existe de fato, pois se você não a trata como religião, em que campo
você a colocará, senão no campo do nada?
Para completar a problemática dá-se a brecha para que participantes de outras religiões tentem as conciliar ao evangelho, mas é uma união impossível, pois são totalmente incompatíveis.
Conclusão
Esperamos, com este texto, lhes convencer ou ao menos lhes fazer
considerar uma mudança de postura e que passe a assumir, sem receios e sem
medos, que somos “homo religiosus” por natureza e que todas as nossas crenças
e desejos, independentes de quais, são baseadas neste princípio. Como diz
DITTRICH & MEIRELES: “O ser humano vive a religiosidade, quer professando
uma doutrina ou não”, e completo com ORTEGA Y GASSET:
“A vida humana, por sua natureza própria, tem de estar posta em algo, em uma empresa gloriosa ou humilde, em um destino ilustre ou trivial. Trata-se de uma condição estranha, mas inexorável, inscrita em nossa existência. Por um lado, viver é algo que cada qual faz por si e para si. Por outro lado, se essa vida minha, que só a mim me importa, não é entregue por mim a algo, caminhará desvencilhada, sem tensão e sem ‘forma’. Estes anos assistimos ao gigantesco espetáculo de inumeráveis vidas humanas que marcham perdidas no labirinto de si mesmas por não ter a que se entregar. Todos os imperativos, todas as ordens ficaram em suspenso. Parece que a situação devia ser ideal, pois cada vida fica em absoluta franquia para fazer o que lhe der na vontade, para vagar a si mesma... Mas o resultado foi contrário ao que se poderia esperar. Livrada de si mesma, cada vida fica sem si mesma, vazia, sem ter o que fazer. E como há de se encher com algo, inventa-se ou finge frivolamente a si mesma, dedica-se a falsas ocupações, que nada íntimo, sincero, impõe. Hoje é uma coisa, amanhã, outra, oposta a primeira. Está perdida ao encontrar-se só consigo. O egoísmo é labiríntico. Viver ... é caminhar para uma meta. A meta não é meu caminhar, não é a minha vida; é algo a que ponho esta e que por isso mesmo está fora dela, mais além.” (pág. 133)
O aguardamos nas próximas postagens.
" Tenham cuidado para que ninguém os
escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições
humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo." (Cl. 2:8).
DEUS OS ABENÇOE GRANDEMENTE!
Ozires de Beserra da Silva
Técnico em Informática, Graduado
em Matemática e Servo do Deus Altíssimo.
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Fontes:
- DITTRICH, Maria Glória & MEIRELES, Marcos Vinicius da Costa. O ser religioso e a relação com a dimensão existencial. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiC_qapvOj6AhXwq5UCHaldCJ8QFnoECAoQAw&url=https%3A%2F%2Fperiodicos.ufpb.br%2Findex.php%2Fle%2Farticle%2Fdownload%2F24328%2F14700%2F58717%23%3A~%3Atext%3DO%2520ser%2520humano%2520vive%2520a%2CExist%25C3%25AAncia%253B%2520Sentido%2520de%2520vida..&usg=AOvVaw1hEeL8fsemTLRpc0gAb34o. Acesso em: 17/10/2022;
- Moura, Felipe. Baal, Moloque e Sacrifício Infantil. Universo Monoteísta. Disponível em: https://www.monoteista.org/baal-moloque/. Acesso em: 17/10/2022;
- ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. Jerusalém, dezembro de 2013;
- Quem eram os Escribas e o que faziam. Biblioteca do Pregador. Disponível em: https://bibliotecadopregador.com.br/escribas/. Acesso em: 16/01/2022;
-
Religião. Dicionário Etimológico. Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/religiao/. Acesso em: 16/10/2022;
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