» Série: Aparentes Contradições da Bíblia (13 de janeiro de 2020)
“Deus...
... tenta ...
(Gn 22:1) Depois dessas coisas, provou Deus a Abraão, dizendo-lhe: Abraão! E este respondeu: Eis-me aqui. Então disse Deus: toma o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto.
... ou não tenta as pessoas? ...
(Tg 1:13) Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus. Pois Deus não pode ser tentado pelo mal, e Ele a ninguém tenta.”
Obs.: O texto entre as aspas foi transcrito conforme chegou até nós.
Inicialmente não estava disposto a escrever sobre este ponto por achar que era demasiado simples. Que qualquer pessoa honesta e que se disponha a olhar os significados dos termos em um dicionário resolveria, mas pensando um pouco mais detidamente sobre o motivo de Nosso Amigo ter dado destaque a este percebi que talvez haja algo aqui que podemos acrescentar ao conhecimento de alguém que venha a nos ler, e espero que esta pessoa seja você. E já que estamos escrevendo, então vamos abordar a parte simples também.
Começando pelo simples
Segundo o Houaiss: provação = dificuldade, situação aflitiva ou sofrimento muito grandes, que põem à prova a força moral, a fé religiosa, as convicções etc. de um indivíduo. Enquanto tentação = impulso para a prática de alguma coisa censurável ou não recomendável. Então, de maneira bem simples, uma olhadela no dicionário já nos mostra que não há contradição nos pontos citados.
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Simples, mas não tanto
Podemos explicar que não há contradição, mas não de forma tão simples quanto a anterior, citando alguns exemplos alegóricos ou mesmo textos bíblicos. Entretanto é preciso muito cuidado ao fazê-lo para não passarmos impressões limitantes e erradas daquilo que realmente são. Citando apenas um exemplo de um problema que pode ser gerado é se dissermos que as tentações levam ao pecado e as provas não. Este conceito está equivocado.
É possível que ao sermos tentados, não pequemos, e ao sermos provados, sim.
Se pegarmos Ex. 16:4: "Então, disse o SENHOR a Moisés: Eis que vos farei chover do céu pão, e o povo sairá e colherá diariamente a porção para cada dia, para que eu ponha à prova se anda na minha lei ou não.", é evidente que quem não andasse segundo as ordens de Deus estaria descumprindo uma lei, e portanto, estaria pecando, pois "... o pecado é a transgressão da lei." (I Jo. 3:4b).
Então, se vamos utilizar algum argumento que não o dado pelo dicionário devemos ser cuidadosos ao escolhe-los; portanto devemos nos ater aos objetivos de cada uma das coisas (o que revela também o caráter de “quem aplica” cada uma delas), que são:
- "Respondeu Moisés ao povo: Não temais; Deus veio para vos provar e para que o seu temor esteja diante de vós, a fim de que não pequeis." (Ex. 20:20), ou;
- "... porquanto o SENHOR, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o SENHOR, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma." (Dt. 13:3 [ARA]), e ainda;
- "sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança." (Tg. 1:3);
Enquanto para as tentações:
- "Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte." (Tg. 1:13-15).
Uma observação aqui. Apesar de constantemente dizermos que o diabo é o tentador e que somos tentados pelo diabo, com exceção do próprio Jesus, não há texto na Bíblia que afirme isso, antes, todos os textos dizem que somos tentados por nossas próprias fraquezas. Por outro lado, há textos afirmando que ele é o enganador, e após sermos enganados nos colocamos em tentação devido nossa própria maldade.
O caso específico de Abraão
Diferentemente de outras vezes que Nosso Amigo citou textos de modo equivocado e até mesmo biltre, nesta ele trouxe aspecto que antes não tinha dado a devida atenção a ele.
O problema levantado por Nosso Amigo na prova de Abraão é mais ou menos o seguinte: como vimos no significado da palavra, tentação é um impulso para fazermos algo considerado errado, e temos neste texto Deus pedindo para Abraão matar seu filho, isto é, filicídio. Apesar de não ter concluído o ato, Abraão tentou fazê-lo, o que poderia ser tido como tentativa de homicídio, que também seria algo censurável.
Entretanto pensar desta forma é um grande equívoco; ignora (geralmente propositalmente) o contexto histórico. Temos então dois pontos a considerar, em defesa, que juntos mostram que o feito não podia ser tido como algo errado.
Sacrifícios
Naquela época (e até bem recente em algumas religiões, além de não ser certeza que não se pratica mais em algum lugar do mundo ainda hoje em dia), sacrifícios humanos às divindades não eram considerados assassinatos e até mesmo é motivo de honra, tanto para os ofertantes quanto para as oferendas. Se olharmos, por exemplo, para atentados terroristas, onde pessoas tiram suas próprias vidas para ceifar a de outros, aqueles que se oferecem para esta infeliz tarefa, o fazem com orgulho e em sua comunidade é honrado pelo feito. Na história bíblica em questão em nenhum momento passou pela cabeça do patriarca que o pedido feito fora algo absurdo.
Ele deve ter achado aquilo até comum, pois da região de onde fora chamado arqueólogos encontraram um zigurate e, apesar de não termos dados históricos de como era o culto a divindade Nanna, o deus da lua, na antiga religião que praticava, se considerarmos as evidências das práticas em outros povos que também construíram estruturas semelhantes, tais como os Astecas, o sacrifício humano fazia parte fundamental dos ritos.
Não estou dizendo aqui que nosso entendimento de certo e errado é o que prevalece. Estou apenas dizendo que, na ocasião, Abraão entendeu o pedido e não achou que estava fazendo algo errado, além de ter total convicção que a vida de seu filho seria mantida e podemos afirmar isto baseados na sua resposta à pergunta de Isaque, seu filho: “Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro para o holocausto ...” (Gn. 22:8). Outro pedido semelhante provavelmente nunca foi ou será feito. Decerto há outros dois casos nas Escrituras que alguém pode entender como de sacrifícios humanos, mas nenhum deles foi por solicitação ou tenham sidos aceitos por Deus. Os contextos e eventos eram outros e não podemos atribuir a Deus a culpa por nossas decisões. O aprendizado de cada um deles também é distinto do que estamos tratando aqui.
Lei
O outro ponto é que não havia ordem explicita de Deus para não matar. Então a grande questão é: como sabiam os homens que matar era algo reprovável? Quando Caim matou seu irmão cogitou por algum tempo. Não precisaria pensar muito sobre isso caso não houvesse algo que o fizesse sentir que matar não era certo. Esta questão só pode ser respondida por uma lei implantada no coração do homem que o acusa sempre que pensa em fazer algo errado (Rm. 2:15). Esta lei é chamada de lei moral e o “dispositivo” que nos alerta sobre a existência desta lei chamamos de “consciência”; mas com relação aos sacrifícios, como estavam servindo as próprias divindades, não tinham as mortes como imorais.
Outro momento em que a lei moral é suplantada, isto é, a consciência é deturpada, foi escrito por São Paulo em sua carta aos Romanos 1:28-32. Eis o texto:
“E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes, cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia. Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem.”
Então, pela ausência de lei e pelo entendimento que havia dos sacrifícios aos deuses o caso de Abraão não pode ser tomado como tentação.
Porque o relato está na Bíblia
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça,” (II Tm. 3:16), nos resta entender quais ensinos estão relatados no texto bíblico.
Citarei alguns aspectos que percebo no relato, mas não estarei listando todas as lições do texto:
a. Comunhão: o primeiro aspecto que vemos no texto é o contato que Abraão tinha com Deus. Ele falava com Deus. O ouvia e obedecia. Quantas vezes temos negligenciado nossa comunhão com Deus? Quantas vezes trocamos os momentos que devíamos ter com Ele por outras coisas, até mesmo com futilidades? Que Deus nos ajude a ter mais e melhor comunhão com Ele;
b. Amor: Abraão amava muito seu filho, principalmente porque era o único filho que tinha com sua esposa. Entretanto ao Deus pedir-lhe o filho em sacrifício ele não se negou a entrega-lo. Neste ponto somos chamados a fazermos uma séria reflexão sobre o que realmente amamos e se o amamos mais do que a Deus. Você já fez esta reflexão? Lembremos das palavras de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mt. 6:24). O que mais amamos é o deus que, na verdade, servimos;
c. Comprometimento: fomos comprados para Deus pelo sangue de Cristo e não há nada mais valioso que isto, ao menos é assim que deve ser. Abraão não se negou a dedicar à Deus aquilo que ele tinha de mais valioso. Somos então convocados a fazer o mesmo. Não estou dizendo para você dar todos os seus bens para o líder da comunidade religiosa local que você frequenta (que aqui, por conveniência, chamaremos de igreja). Sua igreja deve ter alguma forma na qual você também pode contribuir financeiramente para o funcionamento e objetivos. Tudo que Deus nos dá deve ser usado para engrandecer e glorificar o Seu Nome. Se sua igreja está organizando um evento, o que você fará com seu tempo? Ajudará sua igreja a glorificar o nome de Deus? Se Deus te deu dinheiro suficiente, o que você está fazendo com ele? Está o usando para glorificar o nome de Deus? Não estou dizendo que você não pode ter lazer ou fazer suas economias. A questão é o quê e quanto você tem valorizado acima de Deus;
d. Procrastinação: procrastinar (deixar para depois) é um grande mal que assola o mundo hodierno. Postergar aquilo que preciso fazer é uma das minhas maiores falhas (não a única, infelizmente). Espero que não estejas passando pelo mesmo problema. Abraão, mesmo tendo um bom motivo, não procrastinou. Ele foi rapidamente fazer o que precisava ser feito;
e. Obediência: Abraão também buscou cumprir as ordens de Deus como Ele as tinha lhe dado. Não pensou que poderia fazer o sacrifício ali mesmo já que se deslocar para longe na sua idade seria difícil (eles caminharam por três dias só na ida; e não estamos dispostos a nos deslocar por trinta ou mesmo uma hora até a igreja). Isto nos mostra que Deus não aceita qualquer tipo de culto. Ele definiu a forma como deve ser adorado e não aceita que seja diferente. Realizar cultos baseados nas percepções e vontades humanas não passará de entretenimento para o público;
f. Fé: Abraão tinha certeza absoluta que Deus não tiraria seu filho. O pacto, a promessa e conhecimento que tinha de Deus era base suficiente para sua fé. Dificilmente confiaremos em alguém que não conhecemos bem; e isto também acontece em relação a Deus. Sem O conhecer, não conseguiremos ter fé n’Ele e nem O adorar como convém;
g. Uma tipificação de Cristo: para encerrarmos esta lista de lições que podemos retirar do texto (como disse antes, não é nosso intuito esgota-las) este acontecimento é chamado de “um tipo de Cristo”, isto é, tem correlação com o sacrifício de Cristo. Deus sacrifica Seu único filho, Jesus, para perdão dos pecados. Esta história facilita nosso entendimento da morte do Cristo pela maior facilidade em nos colocarmos no lugar de Abraão.
Conclusão
Esperamos que tenha ficado claro para você que não há contradição nos textos apontados. Também desejamos que os outros pontos tratados possam lhes ajudar em sua vida material e espiritual.
O aguardamos nas próximas postagens.
"Farei passar a terceira parte pelo fogo, e a purificarei como se purifica a prata, e a provarei como se prova o ouro; ela invocará o meu nome, e eu a ouvirei; direi: é meu povo, e ela dirá: O SENHOR é meu Deus." (Zc. 13:9).
DEUS OS ABENÇOE GRANDEMENTE!
Ozires de Beserra da Silva
Técnico em Informática, Graduado em Matemática e Servo do Deus Altíssimo.
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Fontes:
- Ur. Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ur. Acesso em: 11/01/2020;
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